Por Folha Corrente

Nilson José Rodrigues, o Maguila, voltou a falar. Em tom de estadista arrependido, o ex-prefeito escolheu o microfone do Jornal de Correntina para defender sua trajetória e apontar erros na atual gestão. Falou de obras, contas, repasses e moralidade com a serenidade de quem quer ser lembrado e a seletividade de quem prefere esquecer.

O discurso tenta sobreviver ao tempo e à realidade. Quando confrontadas com documentos públicos, as declarações perdem força e revelam o esforço de um ex-gestor em reconstruir sua imagem. Esta análise confronta o que foi dito com o que está registrado em relatórios do Tribunal de Contas, ações do Ministério Público e dados oficiais. O resultado é um retrato menos heróico e mais exato da gestão que ele insiste em chamar de legado.

A matemática do IQQ

Maguila afirmou ter deixado R$ 45 milhões no caixa do IMUPRE, mas o Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia registrou, em 2020, um saldo negativo de R$ 5,8 milhões, e o Ministério Público da Bahia cobra mais de R$ 186 milhões em dívidas previdenciárias. O dinheiro existia, mas era composto em parte por valores comprometidos e insuficiente para cobrir o passivo. O discurso de “deixei dinheiro em caixa” cai por terra diante da contabilidade pública.

Foto do jornal Folha Corrente

Ele também diz que “a Justiça Federal indeferiu o bloqueio de bens”. O fato é que o pedido foi negado apenas em caráter liminar. Isso não significa absolvição: Maguila continua réu em ação de improbidade administrativa e o MP pede o ressarcimento integral dos prejuízos ao IMUPRE.

O ex-prefeito ainda tenta associar sua saída ao declínio econômico do município, afirmando que o comércio teria esfriado e que empresas de fora passaram a dominar contratos. Os números mostram o contrário. O CAGED indica que Correntina fechou 2024 com saldo positivo de empregos e em 2025 com o melhor resultado da década. O PIB municipal, de R$ 3,28 bilhões, mantém a cidade entre as vinte maiores economias da Bahia. A arrecadação subiu, e os contratos recentes preveem priorização de fornecedores locais.

A economia segue sólida, impulsionada pelo agronegócio e por investimentos internos. O que existe é a tentativa de reescrever o passado, atribuindo a si um protagonismo que os dados já desmentem.

O mito da universidade expulsa e o legado de obras

Maguila tenta reconstruir sua biografia com obras e projetos públicos, mas é bem verdade que em 20 anos de governo, fez sim obras. Mas prefere citar pontes, estradas e uma faculdade “barrada pela Câmara”. O tom é de injustiça, mas os fatos apontam apropriação política de ações que extrapolam o município.

A Ponte das Sete Ilhas foi concluída em seu governo, mas com recursos estaduais da SEINFRA. Já a Ponte da Prainha teve avanço durante sua gestão e conclusão técnica posterior. O que só aí, já daria mérito compartilhado. O ex-prefeito, porém, omite os convênios estaduais que tornaram as obras possíveis.

O mesmo ocorre com a BR-135 e o anel viário, ainda em fase de projeto e licenciamento. Nenhum edital foi publicado. A execução depende do Governo Federal, com apoio estadual, não municipal. A tentativa de se colocar como “autor” de obras federais revela mais ambição narrativa que resultado administrativo.

Sobre a universidade, Maguila repete o argumento de que a Câmara “expulsou” uma faculdade. Na verdade, os vereadores rejeitaram a doação de um prédio público a uma instituição sem autorização do MEC para funcionar. O veto foi técnico e ocorreu em período eleitoral, quando o sobrinho do então prefeito tentava sucedê-lo. A decisão evitou que um projeto irregular fosse usado como propaganda de campanha.

Ele também acusa a Câmara de barrar o concurso público, quando o edital foi aprovado por unanimidade, lançado com mais de quatrocentas vagas e suspenso por decisão judicial. A confusão é conveniente: os fatos não sustentam a acusação.

Em todos os episódios, o método é o mesmo. O contexto desaparece e o discurso se impõe. Obras coletivas viram feitos pessoais e decisões técnicas se transformam em perseguição política.

O retorno simbólico de Maguila

Desde que foi nomeado assessor institucional da Casa Civil do Governo da Bahia, Maguila tenta reconstruir a relevância política. O cargo tem função administrativa e limitada: acompanhar pleitos municipais, representar o Estado em agendas e encaminhar relatórios. Não há poder de decisão, nem autonomia sobre convênios ou obras. Apesar disso, o ex-prefeito se apresenta como articulador político e analista regional, extrapolando as funções que o cargo realmente permite.

Foi desse posto sem poder real que ele criticou a atual gestão municipal, dizendo que o prefeito governa “como um empresário”, insinuando que administra para recuperar investimentos de campanha. A acusação é moralista e sem base. Nenhum documento ou investigação confirma essa narrativa. Trata-se de uma tentativa de desviar o foco das ações judiciais que o próprio Maguila enfrenta.

A contradição é evidente. Ele acusa o outro de usar o cargo como negócio, enquanto usa o seu para simular influência política. O que o atual gestor exerce por mandato, o ex-prefeito tenta exercer por narrativa. É o uso da palavra como substituto do poder que perdeu.

Essa diferença entre autoridade real e autoridade inventada é o eixo da entrevista. Assim como tenta se apropriar de obras e convênios estaduais, Maguila tenta agora projetar poder sobre uma gestão que não depende dele. O resultado é o retrato de um político que busca recuperar prestígio com um cargo sem poder e moral com discursos sem prova.

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