Entenda como a tentativa de politizar um tema tão importante prejudicou o funcionamento da entidade que há mais de 29 anos atuava em Correntina
Por: Lúcio Vérnon | Folha Corrente
A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Correntina – instituição filantrópica que há décadas atende crianças e adultos com deficiência – fechou temporariamente as portas em 2025, provocando forte repercussão social e política. O encerramento deixou 35 alunos matriculados, dos quais cerca de 25 frequentavam regularmente, sem atendimento especializado.

Nos primeiros dias, surgiram acusações de que a Secretaria Municipal de Educação teria rompido unilateralmente o convênio de cooperação, retirando profissionais e “abandonando” os assistidos. Porém, os documentos oficiais mostram que a situação é mais complexa.
O que falaram sobre o fechamento
O fechamento gerou comoção imediata entre famílias, educadores e lideranças locais. Nas redes sociais e na Câmara, vereadores de oposição e moradores atribuíram a crise a um suposto cancelamento abrupto do convênio, levantando suspeitas de motivações políticas.
“Modificar unilateralmente um convênio essencial como o da APAE, afetando diretamente crianças com necessidades especiais, […] trata-se de um ato desumano que fere os princípios básicos da dignidade humana. Em palavras claras: perseguição política”, escreveu uma internauta em apoio à instituição.
Vereadores oposicionistas também engrossaram o coro. O vereador Will, ao anunciar seu rompimento com a base governista, citou a situação da APAE como exemplo da “falta de sensibilidade” da gestão e declarou: “Hoje eu não sei quem foi que fez esse projeto, mas sei quem mandou para cá. Quem erra precisa ter humildade e coragem para reconhecer e corrigir”.
Essas declarações foram replicadas em grupos de WhatsApp e sessões da Câmara, ampliando a pressão popular por uma solução imediata.
O que dizem os documentos oficiais
Os documentos obtidos junto à Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Lazer e ao Ministério Público indicam que não houve abandono, mas a necessidade de readequar a parceria à legislação vigente.
Desde o início de 2025, o município tentava formalizar um novo convênio com base no Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei 13.019/2014) e nas diretrizes de educação inclusiva da Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015).
Uma série de ofícios trocados entre janeiro e maio mostra que a Secretaria vinha propondo um novo modelo de cooperação. Em 12 de fevereiro, convidou a presidente da APAE, Miriam de Araújo Lopes, para reunião visando discutir a continuidade da parceria.
O rascunho do Termo de Convênio nº 000/2025 previa cessão de profissionais especializados – psicopedagogos, coordenador pedagógico, professor de AEE, equipe de apoio e atendimento multidisciplinar itinerante – além de transporte, alimentação escolar e materiais.
Em contrapartida, caberia à APAE manter suas instalações e apresentar relatórios de atividades. Essa proposta, batizada “Mãos Apaixonadas pela Inclusão”, foi formalmente entregue à direção em 15 de maio, após reunião mediada pelo Ministério Público no dia 5.
A Secretaria informou que parte dos profissionais já havia sido contratada e poderia iniciar os atendimentos imediatamente, caso o convênio fosse assinado.
Por que não houve acordo?
Os documentos revelam entraves de comunicação e divergências sobre o novo formato. Em fevereiro e março, a Secretaria pediu relatórios detalhados sobre os alunos atendidos, mas recebeu resposta com atraso.
Miriam Lopes, presidente da entidade, também faltou a reuniões agendadas, alegando compromissos prévios ou falta de estrutura física para recebê-las, já que a APAE estava sem funcionários de apoio desde o início do ano.
Do lado da instituição, havia receio sobre a substituição da equipe pedagógica. Em ofícios, a presidente defendeu a importância das professoras que já atuavam na APAE e pediu garantias sobre a continuidade do trabalho delas, além de solicitar mais detalhes sobre o projeto antes de assinar qualquer termo.
“Colocamo-nos à disposição para dialogar sobre a melhor forma de garantir a permanência desses serviços, sempre priorizando o interesse dos assistidos e a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência”, escreveu Miriam em um dos ofícios enviados à Secretaria.
Mediação do Ministério Público
Com o impasse prolongado, o Ministério Público de Correntina mediou uma reunião entre a Secretaria, a direção da APAE e outros órgãos da rede de proteção, no dia 5 de maio.
Como resultado, a proposta de convênio foi oficialmente protocolada e passou a tramitar sob acompanhamento do MP, que busca um consenso que viabilize a reabertura da instituição.
Disputa política e expectativa de solução
O episódio rapidamente ganhou contornos políticos. Vereadores de oposição usaram a tribuna e as redes para responsabilizar a gestão, enquanto representantes do governo argumentam que a polêmica foi inflada por disputas partidárias.
Analistas locais apontam que houve falhas de comunicação, já que a mudança no convênio não foi bem explicada à comunidade, o que abriu espaço para interpretações equivocadas.
Apesar do embate, tanto a Secretaria quanto a direção da APAE manifestam disposição para o diálogo. As negociações seguem sob mediação do Ministério Público, com possibilidade de assinatura de um Termo de Colaboração nos moldes da Lei 13.019/14.
O objetivo é restabelecer os atendimentos com segurança jurídica, transparência e a manutenção de parte da equipe já vinculada à APAE.
A crise expôs os desafios de alinhar legalidade, gestão pública e sensibilidade social em serviços voltados a pessoas com deficiência. Agora, espera-se que o entendimento prevaleça, devolvendo à APAE seu papel de espaço de inclusão e cuidado, com apoio formal do município.