Coluna O Batuta – por Lúcio Vérnon | Folha Corrente
Se tem uma coisa que gera briga e elogios em biqueira de buteco de cidade do interior é o tal do fofoqueiro. E não tô falando de qualquer fofoqueiro não, tô falando dos profissionais mesmo. Daqueles que não perdem uma oportunidade pra espalhar a vida alheia, parece até que têm um tesão especial por falar com base em fontes: “Arial 11”, porque de oficiais mesmo, nada. E você quer ver uma coisa: é se tiver um outro um pouco mais estudado, que não acredita na fofoca e vai atrás de provas. Aí é que o pau come e sai ofensa e indireta até pra finada mãe do pobre coitado descrente.
E foi um dia desses mesmo. Estava a maior discussão na esquina do bar de Seu Ananias — uma conversa estranha, mas emocionada — sobre um tal de Malaquias. O homem, diziam, tava ali sofrendo numa fila de banco. Mas não dessas filas comuns

não, que se resolve com senha e paciência. Era fila daquelas que cada um que entra tem uma urgência maior que o outro, e todo mundo jura que já devia estar lá na frente e que não se sabe se a fila é grande porque é só fila ou porque ainda não abriu o caixa.
— Já tem mais de mês que ele entrou e até agora nada do dinheiro cair — leu em voz alta Seu Ananias, mostrando o celular.
— Isso é descaso! O homem trabalhou a vida toda, agora nem força tem pra pegar ônibus. Essa fila aí só anda pra quem tem padrinho e ninguém precisa me dizer não, eu mesmo sei — respondeu outro, já com mais raiva que argumento, e fontes “em caixa alta”.
O problema é que a história foi crescendo igual fermento no sol. Uns falavam que a culpa era do gerente, outros do prefeito. E claro, também tinha os que juravam de pé junto que sabiam tudo, porque a sobrinha do cunhado do vizinho tinha visto uma mensagem num grupo de zap que confirmava tudinho — fontes sem carimbo, sem protocolo e com emoji.
Foi aí que veio o que ninguém esperava. Um jornal da cidade resolveu conferir. Mas conferir mesmo: papel por papel, senha por senha, assinatura por assinatura. E descobriu que a situação não era bem como tinham pintado. Havia, sim, uma espera — mas não era descaso, era ordem de chegada. E o tal de Malaquias não tava sendo esquecido, só não tinha furado a fila. Até porque sabemos todos que furar a fila é coisa de gente desonesta, não é mesmo?
A manchete saiu limpa, sem adjetivo. Só os dados.
Pronto. Bastou isso pro mundo virar faroeste. Acusaram o jornal de ter perdido a alma, de ser frio, de tá “do lado de lá”, começaram um “nós contra eles” baseados em print de grupo e letra maiúscula. O povo queria era consolo, não contradição. E o que era pra ser notícia, virou ofensa pessoal.
“Devem tá ganhando pra falar assim.” “Eles falam isso porque é comercial.” “Tá defendendo quem não merece.” “Onde já se viu, jornalista sobreviver do que escreve?”
Empatia, aliás, virou código pra concordar sem perguntar. E quem pergunta, é inimigo.
Nessa terra, dizer a verdade tem dessas. Se ela não combina com o que o povo quer ouvir, vira mentira. E se vem com carimbo, registro, data e documento oficial, aí é que desconfiam mesmo. Preferem o post emocionado da filha da prima do genro do cunhado que se formou ciências ocultas, filosofia dramática, pediatria charlatânica, biologia dogmática e astrologia eletrônica, e que diz que viu com os próprios olhos o que nem aconteceu.
Mas o jornal, feito aqueles vaqueiros que não largam o rastro, segue escrevendo. Sem pressa, mas sem se perder, sem entrar em briga. Porque no fundo, todo mundo sabe que fila de banco é chata, mas precisa andar direito. E quem trabalha com papel, tem que saber a diferença entre recibo e bilhete.
E essa história ainda vai render muito cochicho de esquina e print de grupo. Mas por ora, fica assim: uma fila longa, um povo impaciente, alguns outros que vão continuar falando com base nas fontes do Word, um jornal que decidiu não tapar o sol com a peneira.
E uma folha de papel — essa sim — que faz barulho quando diz a verdade.