Por Lúcio Vérnon
Uma nova lei complementar aprovada pela Câmara Municipal de Correntina visa corrigir um grave erro na cobrança do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) cometido no ano anterior. Em dezembro de 2023, na gestão passada, os vereadores aprovaram às pressas a Lei Complementar nº 68/2023 – um
novo Código Tributário com quase 300 páginas – sem análise técnica aprofundada. Essa lei atualizou a planta de valores dos imóveis após 20 anos sem revisões, o que levou a aumentos exorbitantes no IPTU para 2024. Logo que a lei entrou em vigor, os impactos foram sentidos: contribuintes que pagavam cerca de R$ 40 ou R$ 50 de IPTU por ano passaram a receber cobranças na casa dos milhares de reais. Houve casos extremos de imóveis cujo IPTU saltou de R$ 124 para impressionantes R$ 109 mil. Esses reajustes representaram aumentos de 150% até mais de 1.000% no imposto, índices completamente fora da realidade econômica local.
A correção da lei se fez necessária porque a atualização tributária de 2023 violou princípios constitucionais básicos e poderia ser considerada confiscatória. Um estudo da Diretoria de Tributos identificou que a lei anterior não obedecia aos preceitos do artigo 150 da Constituição Federal, que veda tributos com efeito de confisco e exige justiça fiscal, capacidade contributiva, razoabilidade e proporcionalidade.
Um erro técnico e político que impactou toda a cidade
“Gerou-se um valor absurdo, um valor confiscatório, não obedecendo o que dita o artigo 150 da Constituição”, explicou Bruno Matos, diretor de Tributos do município, referindo-se aos aumentos detectados. Além disso, a projeção de arrecadação com o IPTU 2024 disparou para um patamar superfaturado – cerca de R$ 12 milhões, muito acima da previsão orçamentária de aproximadamente R$ 2,5 milhões. Ou seja, a lei de 2023 pretendia cobrar bem mais do que o necessário para os cofres públicos, em potencial desrespeito ao princípio do não confisco e ao equilíbrio tributário.
Diante da reação negativa da população e da evidente injustiça tributária, a nova administração municipal, que assumiu em 2025, colocou como prioridade rever a lei do IPTU. O prefeito Walter Mariano Messias de Souza, que havia prometido em campanha resolver o problema, mobilizou sua equipe técnica para formular uma solução emergencial. Os vereadores também reconheceram a necessidade de mudança: “Estamos aqui hoje para fazer justiça, para corrigir um erro que jamais poderia ter acontecido”, declarou em plenário o vereador Maradona, líder do governo na Câmara.
Falta de estudo técnico e risco de confisco
O erro central da Lei Complementar nº 68/2023 esteve na forma irresponsável e precipitada com que a reforma tributária municipal foi conduzida no final de 2023. Várias falhas foram apontadas pelos vereadores e técnicos durante a revisão em 2025:
Falta de estudo técnico: Não houve um relatório amplo e embasado antes de aprovar o novo Código Tributário. A Diretoria de Tributos elaborou posteriormente um relatório de 474 páginas simulando os efeitos da lei em cada imóvel, o que expôs diversos absurdos nas cobranças.
Aumentos desproporcionais e sem transição: A lei tentou corrigir duas décadas de defasagem de uma só vez, resultando em majorações de centenas a milhares por cento no valor do imposto. O caso de um contribuinte do distrito do Rosário, que teria de pagar R$ 109 mil após pagar apenas R$124 Reais no ano anterior, exemplifica o impacto social.
Descumprimento de princípios legais: Tributos não podem comprometer a propriedade do contribuinte nem ultrapassar sua capacidade de pagamento. Segundo o diretor Bruno, foram ignorados os princípios da justiça fiscal, capacidade contributiva, razoabilidade, proporcionalidade e não confisco.
Arrecadação irrealista: O orçamento municipal esperava arrecadar R$ 2,5 milhões com IPTU, mas com a nova planta genérica de valores, a previsão saltou para R$ 12 milhões, configurando superfaturamento.
Reconhecimento público do erro e responsabilidade da gestão anterior
Durante a sessão que aprovou a correção, os vereadores admitiram que foram induzidos a um erro coletivo, em parte por informações enganosas fornecidas pela gestão passada. A vereadora Nice do Rosário relatou que, à época da votação, o governo anterior alarmou a Câmara dizendo que Correntina poderia perder recursos do FPM se a lei não fosse aprovada.
Outros vereadores foram mais enfáticos ao denunciar a conduta do ex-prefeito. A vereadora do Rosário classificou como “irresponsável” a forma como o antigo gestor conduziu o processo. Já o vereador Maradona foi direto ao afirmar: “Até hoje, eu não sei quem foi que fez esse projeto, mas sei quem mandou aqui para essa casa”.
Apesar das críticas, os vereadores também fizeram uma autocrítica pública. Muitos assumiram sua parcela de culpa por não terem barrado o projeto na época. “Quem erra precisa ter humildade e coragem para reconhecer e corrigir”, disse Maradona.
As principais mudanças da nova lei
Para reverter os danos, foi formulada a Lei Complementar nº 002/2025, aprovada por unanimidade. As principais medidas são:
- Redução da alíquota de terrenos urbanos de 3% para 2%.
- Manutenção da alíquota para imóveis construídos em 1%.
- Fim da nova planta genérica de valores, voltando aos valores antigos, corrigidos apenas pela inflação oficial (IPCA).
- Parcelamento do IPTU 2025 em até seis vezes, com vencimentos de julho a dezembro.
- Anulação das cobranças anteriores feitas com base na lei revogada, protegendo os contribuintes.
O que muda para a população
A correção da lei do IPTU traz um alívio imediato para os moradores de Correntina. Os boletos serão recalculados ainda este ano, e os contribuintes não precisarão mais temer aumentos abusivos ou risco de confisco de seus imóveis.
Além disso, durante a apresentação na Câmara, o diretor de Tributos, Dr. Bruno Matos, informou que a Prefeitura, por orientação do prefeito Mariano, pretende encaminhar nas próximas semanas um novo projeto de lei criando um Refis específico, voltado para a regularização dos débitos de IPTU gerados em 2024. O objetivo, segundo ele, é corrigir os impactos negativos deixados pela gestão anterior, oferecendo aos contribuintes a possibilidade de quitar os valores devidos com redução de juros, multas e encargos acumulados.
Ao final da votação, o sentimento predominante na Câmara foi de reparação. A nova lei representa uma virada de página: Correntina volta a ter um IPTU ajustado à realidade local, com justiça fiscal e respeito ao bolso da população. Uma decisão que resgata a confiança entre contribuinte e poder público.